segunda-feira, 15 de março de 2010

Audio Digital vs Audio Analógico - O porquê das coisas...



Vou iniciar aqui uma série de textos sobre o Audio Digital e Analógico, numa tentativa de contribuir para uma maior e melhor informação relativamente a este tema. Para este primeiro texto ou secção estes são objectivos principais:

- Em primeiro lugar, enquadrar e contextualizar o tema com foco exclusivo na Qualidade de Som como sendo a mais importante prioridade, muito mais do que qualquer outra, para quem procura o melhor som, para os "audiófilos". Não se pretende aqui debater quais as melhores opções a tomar com vista a tornar a música mais portável ou cómoda, mais barata, mais fácil de reproduzir em vários ambientes, manipular e armazenar, ou mais fácil de vender, distribuir fisicamente ou disponibilizar online. Falo de qualidade de som e de dois conceitos de base, tudo o resto terá de partir daí, e não ser a sua origem.

- Definir de forma básica os conceitos Digital e Analógico, esclarecendo exactamente do que estamos a falar e determinar aquilo que, em última análise e em absoluto, cada um deles nos pode oferecer no cúmulo do seu potencial inato.


Audio Digital vs Analógico

Normalmente há uma tendência generalizada, nas revistas da especialidade, nos blogs e fóruns online nacionais e internacionais, um pouco por todo o lado onde este tema de eterno debate floresce, para tentar reduzir a questão do audio Digital ou Analógico aos seus formatos físicos e implementações correntes. Tipicamente, e por motivos relacionados com a maior implantação e generalização no mercado, é habitual confinar a discussão aos CD's e aos LP's, o que invariavelmente afunila todos os argumentos e comparações para o poço sem fundo das limitações e defeitos que cada formato apresenta, e que são meros circunstancialismos, em vez de se debater o conceito que está por trás e de explorar como podemos ajudar e colaborar para que se avance no sentido de um melhor som para todos, e especialmente para aqueles que o procuram activamente, os "audiófilos".

Para tratar este tema de forma minimamente séria, capaz de nos esclarecer e permitir-nos aprender e evoluir, é fundamental definir à partida que os conceitos de Digital e Analógico não são, não se definem, não se completam e não se esgotam, nos formatos físicos que existem, sejam eles a Tape Reel, o Single, o Maxi, o LP de 10" ou 12", a 16/33/45/78 rpm, a Cassete, o Mini Disc, o Laser Disc, o CD, o DVD-A, o SACD, o Blu-Ray, ou os formatos digitais, WAV, FLAC; APE, MP3 ou quaisquer outros de baixa, média ou alta resolução, com ou sem compressão, reproduzidos por streaming de qualquer tipo ou a partir de Media Centers com base em storage de memória ou disco rígido.

Tudo isso, e todos os defeitos e benefícios que poderão estar associados à produção, distribuição, armazenamento, manutenção, manipulação e reprodução de tais formatos, é informação interessante e útil, mas que não tem qualquer tipo de significado, impacto ou influência para um debate minimamente focalizado na distinção fundamental entre Digital e Analógico, e naquelas propriedades ou características que lhes são intrínsecos, que os definem, e cujas consequências serão sempre uma presença e uma constante em qualquer aplicação de qualquer nível tecnológico que neles se baseie.

É também importante manter sempre presente um outro facto que não pode ser evitado, e que os apologistas da abordagem "circunstancial" em vez da abordagem "conceptual" costumam esquecer ou ignorar. Se imaginarmos uma situação ideal em que levamos ao extremo absoluto as tecnologias de qualquer uma das duas abordagens, hipoteticamente atingindo a perfeição de cada uma delas, livres de quaisquer constrangimentos ou defeitos decorrentes da nossa incapacidade para as desenvolver melhor, o resultado final será invariavelmente limitado pelo conceito que as define. Ou seja, essa tecnologia Digital perfeita será ainda e sempre Digital, e o mesmo se aplica à hipotética tecnologia Analógica perfeita. Isto não é tão trivial como possa parecer...

Com esse aspecto esclarecido desde já, importa perceber, pelo menos no essencial, o que estamos a dizer quando falamos de Digital e Analógico.


Digital é, sempre, uma tecnologia de representação da informação que se baseia em valores discretos e descontínuos. Esta tecnologia é especialmente apropriada para representar informação que não está associada ou dependente de um factor de tempo, por exemplo símbolos (letras, números, etc), que é ela própria constituída por valores discretos e descontínuos. A tecnologia Digital representa a informação por amostragem ou por codificação, em unidades discretas, descontínuas, ordenadas mas sem unidade de tempo.

Analógico, ou uma representação analógica, por oposição, não tem valores discretos isolados, mas sim um fluxo contínuo de informação variável no tempo, semelhante a outro fluxo do mesmo género (quantidade/tempo). Representa o original por analogia, num fluxo contínuo relativo à unidade de tempo.

Para exemplificar, na gravação de som Analógica, um microfone capta num diafragma as variações de pressão do ar (ondas sonoras), e induz essas variações na corrente produzida por uma bobina, ou na voltagem produzida por um condensador, em tempo real e produzindo um fluxo contínuo de informação. Esse resultado eléctrico é análogo ao som original, representa-o na amplitude e frequência das suas variações e de forma contínua relativamente a uma unidade de tempo constante.

A gravação Digital, por outro lado, traduz essas flutuações da pressão do ar para unidades discretas recolhidas através de algorítmos de amostragem (Sampling) e quantização (Quantization). Estes baseiam-se no Nyquist–Shannon Sampling Theorem* que, resumidamente, define como e quanta informação precisa de ser recolhida num certo espaço de tempo para que o resultado digitalizado possa depois ser convertido para analógico, pretendendo reconstruir através de um processo de interpolação a informação original a partir dessas unidades que são apenas uma parte do que foi captado pelo microfone.


Por definição, a Digitalização recolhe parte da informação, e perde outra, transformando uma variação contínua no tempo, num conjunto de unidadades discretas recolhidas dessa variação. O Audio Analógico teoricamente não apresenta qualquer limitação ao nível da resolução. Enquanto um sinal gravado ou processado digitalmente, teoricamente está sempre limitado pela resolução do seu "Sampling Rate" (quantidade de amostragens no tempo) e "Bit Depth" (quantidade de informação em cada amostragem), um sinal analógico não tem qualquer limitação teórica para a resolução que pode atingir. Por definição dos seus conceitos, a informação analógica é sempre representada com resolução infinita e ilimitada (uma analogia ao original), e a informação Digital é sempre representada com resolução finita e limitada (uma aproximação ao original).

Por muito inúteis que estes factos possam parecer à luz de uma abordagem prática destas questões, é fundamental manter os conceitos bem assimilados, presentes e arrumados, para evitar os habituais equívocos e confusões que os debates sobre Digital vs Analógico costumam suscitar. O facto é que, na teoria, como conceito, o Audio Analógico é a única abordagem que dá garantias de real e eficaz "alta fidelidade", sendo que o Audio Digital é extremamente útil em muitas áreas, mas para Qualidade de Som, quando falamos de "alta fidelidade", não se trata propriamente de uma solução, mas sim de um compromisso determinado à partida pelas suas limitações inerentes. O potencial de realização do Audio Analógico depende apenas da nossa capacidade para o fazer em termos técnicos e físicos, mas o potencial de realização do Audio Digital é sempre e apenas aquele que a sua especificação (neste caso a resolução teórica) permite... e isto antes sequer de começar a falar das imensas dificuldades e obstáculos que se colocam à sua implementação e realização prática (que obviamente são também apanágio do Analógico), mas esse assunto será tratado mais adiante...

A Utopia Audiófila é, sem dúvida, Analógica... tal como a música que tanto apreciamos.


Da teoria à prática, vai uma grande distância, e os limites práticos para a resolução real que podemos ter, aplicam-se, embora de formas diferentes, tanto à tecnologia digital como à analógica. Esse é, no entanto, tema diferente e para outra intervenção aqui no ViciAudio em que poderei alargar mais o assunto da aplicação prática destes dois conceitos.

Nos próximos textos vou abordar outros temas, como o Futuro do Audio Analógico, e o Lugar do Vinil no Século XXI.

*Também conhecido por "Cardinal Theorem of Interpolation Theory", o teorema de amostragem Nyquist–Shannon realiza-se completamente apenas com a utilização de amostragens infinitas, o que obviamente nunca foi aplicado na realidade por tal ser impossível, sendo que todas as aplicações conhecidas que nele se baseiam são de facto meras aproximações ao que o teorema pretende demonstrar. Há uma diferença enorme, clara e determinante entre amostragem infinita, e a amostragem que encontramos hoje nos mais sofisticados sistemas de conversão digital. Este pormenor não pode nem deve ser ignorado.

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Para ver e ouvir no http://viciaudio.blogspot.com/


www.VinylGourmet.com - Discos de Vinil / Edições Audiófilas

3 comentários:

  1. Excelente! Fico ansiosamente à espera dos restantes artigos desta série.

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  2. Espero poder continuar esta série brevemente... há muito para dizer, mas pouco tempo para escrever :( Mas lá chegaremos.

    Obrigado!
    Sérgio

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  3. Legal ter um bom material portugues disponivel como esse! Obrigado pelas claras informaçoes!

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